Sempre que me referia aos TV Personalities, e em especial ao disco "Mummy your not watching me", associava a excelsitude de um disco Pop, daqueles em que a matriz está tão polida que é possível ver o rosto do nosferatu reflectida, banhado num recipiente cheio de ácido. Pode parecer à primeira vista uma associação mais que previsível atendendo ao passado farmacêutico de Dan Treacy, mentor dos TvP's. Mas tudo não passa do uso a avulso de uma analogia, talvez, fruto unicamente da música produzida pelo grupo, pondo de lado o uso e abuso de substâncias ilícitas.
Escutando "Mummy your not watching me" os nervos sensoriais são assomados por sentimentos díspares. Se podemos sentir algum conforto com o sunshine pop dos sixties degenerado num género (ou géneros) que ainda estava para ser inseminado, Twee ou C86 dizem eles. Sentimentos (o que referi anteriormente e os que vou referir mais adiante) esses que vão ganhando expressão em temas como "Where the rainbow ends" ou "Mummy Your Not Watching Me".
Outros sentimentos, como o estremecimento, são provocados por uma amálgama de quietude orgânica, um híbrido de new age com psicadelismo esfarelado que se sente a cada passagem da agulha pelas estrias de "Mummy Your Not Watching Me".
Sintomas acicatados por composições muzakianas, como "David Hockney's Diaries" ou "Adventure Playground". Duas urdiduras sonoras capazes de instigar motins em espaços fechados. Resultado de uma cadência quase febril onde uma escaleta lança as quotas de destruição para cada amotinado.
Mas não pensemos que tudo é metafísico em "Mummy....". Já que também é nos posto à disposição músicas de corpo inteiro, com refrões orelhudos, "Paint by Numbers" é disso um exemplo. Tema que podemos colocar na prateleira do Powerpop ou mesmo do Mod Revival. Também há temas que alimentam a alma, "'Scream Quietly", consegue na perfeição estofar almas vazias e prepará-las para o difícil dia-a-dia.
O imaginário dos 60's televisivo, que tanto pode ir desde o "Doctor Who" ao "Captain Scarlet" é algo que circula pelo disco à mesma velocidade que circula as substancias ilícitas pelo sangue. Os pozinhos dos sixties surgem sob a forma de jingle de fecho de programa infanto-juvenil em "Lichtenstein Painting", ou "Brian's magic car", música com todos apetrechos para acompanhar um seriado de aventuras e desaventuras urbanas.
A catarse chega sob a forma de um amor perdido, "Where the rainbow ends". Registo que tem todo o direito em figurar numa colectanea romântica low budget, bem enfiada no meio do alinhamento, seria um tema que passaria bem, por engano do assistente de produção claro está, numa edição do "Oceano Pacífico" na RFM.
Já borrei a pintura, mas como falo na terceira enviusada pessoa, foi como tivesse sido outro a proferir tais encómios, volto mais tarde com um texto sobre o barroco pop.
Lisboa, final de tarde, Inverno de 2007, numa breve passagem por uma loja de discos, por entre muito lixo vinílico, deparo-me com "Mummy your not watching me", sim não estava em Excelente estado, muito menos em Muito Bom estado. Pode-se dizer que o disco adquiriu por osmose toda a acidez revigorante da música dos TV Personalities. Riscos que só por si dão valor ao objecto em causa (disco de vinil), num género de "quanto mais me riscas mais eu toco melhor", se fosse um disco dos Squeeze de certeza que a agulha do gira-discos saltaria do "Cool for Cats" para ir logo para "Up to Junction", mas como estamos a falar de Tv Personalities o disco segue o seu caminho impávido e sereno, abençoado disco.